O Amazonas é
palco da grande e singular expressão natural do planeta: a selva e a vida
indígena. Neste cenário, apresentam-se as lendas amazônicas, as quais são a
poesia, a representação, a experiência mais vibrante e viva que nossa região
poderia ter. Há quem diga que lendas são estórias frutos da imaginação das
pessoas que as criaram, de cunho popular passadas via oral de geração em
geração, ou seja, que não existem de fato. E o que é existir? Será que só
aquilo que é real? E o que é real? Real, segundo alguns estudiosos, como
Humberto Maturana (neurobiólogo) é tudo aquilo que existe para nós, nossa noção
de realidade não distingue entre o que é somente uma experiência e o real! E se
é experiência na vida, no imaginário desses povos, então as lendas são reais. E
a realidade, a cultura indígena é a riqueza dessa terra. O que será a lenda do
Boto Rosa (Vermelho) se não o homem que se aproxima das “ninfetas” para delas
se aproveitar carinhosamente? Quem é aquela que sonha em ser alguém
“sobrenatural” e faz tudo para alcançar tal sonho se não a metáfora da
Vitória-Régia? E aquele que disputa seus perseguidores, deixando o rastro dos
pés para a direção inversa? Que mulher é essa guerreira, sedutora, inteligente,
perspicaz, frágil e serena se não nós nesse mundo simbolizadas por Dinahí?
Essas lendas não são somente estórias. Elas são o reflexo e a maior expressão
da nossa vivência (vida amazônica). Expressão essa que chamamos de arte, mesmo
que não seja intencional, mas perpassa pelo mesmo processo metafórico/linguístico.
Sendo uma
experiência metafórica/linguística somos nós que a vivenciamos. O corpo está
presente e se apropria da linguagem da dança para viver essas estórias
lendárias concomitantemente. Digo concomitantemente, pois nos moldes do trabalho
artístico da FACCI, não há uma representação da lenda, mas uma expressão que
vive junto com tal realidade, que transpõe para a vida do artista tal estória.
Sendo esta estória realidade e transposta à vida, mesmo do não indígena, não
nos colocamos no campo da representação, mas da expressão da vida (do
dia-a-dia) amazônico.
Mestre em Dança pela Universidade Federal da Bahia-UFBA